sexta-feira, 29 de junho de 2012

Sobre experimentos de secagem, a Guerra e seus desertores

Eu estava no laboratório de panificação da engenharia de alimentos fazendo meu trabalho de secagem. O trabalho consiste em analisar a cinética do processo, fazendo medidas em intervalos de tempo pré-determinados. Enquanto espero para fazer a medida seguinte fico ou estudando alguma coisa ou lendo um livro. Por acaso eu estava lendo O Festim de Corvos, do Martin, e cheguei à parte que vou transcrever abaixo. O fato é que me comoveu. Procurei em sua biografia qualquer participação na guerra, mas não houve, pois ele nasceu em 1948. Só posso dizer que para alguém sem conhecimento vivenciado da situação, esse texto é forte e expressivo, é emocionante e é duro.

Principalmente, esse pequeno trecho da grande obra de Martin mostra que a arte dele vai muito além da fantasia e do entretenimento. O que ele escreve fala de seres humanos, muitas vezes de forma profunda nunca antes vista numa ficção.

"'Irmãos marcham com irmãos, filhos com pais, amigos com amigos. Ouviram as canções e as histórias, e por isso vão se embora de coração ansioso, sonhando com as maravilhas que verão, com as riquezas e as glórias que conquistarão. A guerra parece uma bela aventura, a melhor que a maioria deles alguma vez conhecerá. Então experimentam o sabor da batalha. Para alguns, essa única experiência é suficiente para quebrá-los. Outros resistem durantes anos, até perderem a conta de todas as batalhas em que lutaram, mas mesmo um homem que sobreviveu a cem combates pode fugir no centésimo primeiro. Irmãos veem irmãos morrer, pais perdem os filhos, amigos veem os amigos tentando manter as entranhas dentro do corpo depois de serem rasgados por um machado. Veem o senhor que os levou para aquele lugar abatido, e outro senhor qualquer grita que agora pertencem a ele. São feridos, e quando a ferida ainda está apenas meio cicatrizada, sofrem outro ferimento. Nunca há o suficiente para comer, os sapatos se desfazem devido às marchas, as roupas estão rasgadas e apodrecendo, e metade deles anda cagando nos calções por beber água ruim. Se quiserem botas novas ou um mando mais quente ou talvez um meio-elmo de ferro enferrujado, tem de tirá-los de um cadáver, e não demora muito para que comecem também a roubar dos vivos, do povo em cujas terras combatem, homens muito parecidos com os que eram. Matam suas ovelhas e roubam suas galinhas, e daí é um pequeno passo até levarem também suas filhas.


'E um dia, olham ao redor e percebem que todos os seus amigos e familiares se foram, que estão lutando ao lado de estranhos, sob um estandarte que quase nem reconhecem. Não sabem onde estão, nem como voltar para casa, e o senhor por quem combatem não sabe seus nomes, mas ali vem ele, gritando-lhes para se posicionarem, para fazerem uma fileira com as lanças, foices e enxadas afiadas, para aguentarem. E os cavaleiros caem sobre eles, homens sem rosto vestidos de aço, e o trovão de ferro de seu ataque parece encher o mundo... E o homem quebra. Vira-se e foge, ou rasteja para longe, depois por cima dos cadáveres, ou escapole na calada da noite e encontra um lugar qualquer para se esconder. Toda noção de casa está perdida a essa altura, e reis, senhores e deuses significam menos para ele do que um naco de carne estragada que lhes permita sobreviver mais um dia, ou um odre de vinho ruim que possa afogar-lhes o medo durante algumas horas. O desertor sobrevive dia a dia, de refeição em refeição, mais animal do que homem. A Senhora Brienne não erra. Em tempos como estes, o viajante deve ter atenção aos desertores, e temê-los... mas também deve ter piedade por eles."

Página 325, 1ª Edição de O Festim de Corvos, da Editora Leya.

Pequenos trechos como esse me fazem ter certeza de que estou fazendo certo em me encantar pelo mundo que esse simpático senhor criou. Obrigada, George.


Um comentário:

  1. Di,
    Acabei esse capítulo essa semana e tb me chamou muita atenção esse pedaço, essa descrição da guerra.
    Chega arrepiar!
    Beijos

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