quinta-feira, 26 de julho de 2012

Resenha: História Fantástica do Brasil - Guerra dos Farrapos - 1º Conto: O terror dos teus inimigos


Como esse blog é totalmente aleatório e eu posto o que me dá na veneta, resolvi postar uma resenha que fiz do conto da Nikelen Witter na coletânea da Estronho. A razão desse conto em específico é que quero mostrar pra vocês a qualidade do que essa fofa escreve, afinal ela vai lançar seu primeiro romance no fim do ano (novembro) e é injusto que vocês nem saibam do que se trata, posto que é tão bom. O conto está disponível aqui, pois é a degustação da coletânea. Não deixem de ler.



Começo falando da primeira coisa que me chamou a atenção nesse texto: a autora escolheu um personagem real da Guerra dos Farrapos e esse personagem lutava do lado dos legalistas. Sim, porque atire a primeira pedra quem não costuma pensar só nos farroupilhas quando pensa na guerra. Todo mundo pensa em Garibaldi, Anita, Bento Gonçalves, nos negros que lutavam por sua liberdade (aliás, bastante utilizados nos outros contos da coletânea). Ninguém se lembra dos herois do exército imperial. Na verdade, desconsiderando Bento Manoel, eu não sabia de ninguém que lutara desse lado. Mas aí, conheci Chico Pedro.
A caracterização de Moringue me assustou, confesso. Não consigo encontrar outro adjetivo, a palavra que me vem à cabeça é bruto. Do jeito que falou com o doutor já se vê que não é de meias palavras. Seu jeito de gaúcho macho também não deixou dúvidas da época em que viveu. E, acima de tudo, a impulsividade e decisão mostraram porque o homem evoluiu tão rápido na hierarquia do exército. Era um líder nato, sem medo ou receio de lutar por sua causa. Golpes de mão muito conhecidos. E tinha o gosto. Se eu fosse o “coisa ruim”, também ia querer ele pra mim, ora.
Já que falamos no danado, tenho que dizer que uma conversa com ele não me divertia tanto desde Advogado do Diabo.
Como se chega a esse diálogo é que realmente me impressionou. O diabo estava em Porto Alegre, ou melhor, no Rio Grande do Sul. E ele queria Chico Pedro, queria um acordo. Começou a mostrar-se através da velha. Mostrou a fome, mas a levaria consigo se Moringue aceitasse. Foi um cão que mostrou a segunda cláusula: a peste. Não iria de imediato, mas também partiria logo mais. A guerra, ninguém precisava mostrar a Chico Pedro, conhecia-a muito bem.
Então o próprio demônio chegou para um dedinho de prosa. Chico Pedro o rechaça. Mas ele insiste e, lentamente, o seduz com sua oferta. Sedutor e mentiroso, não há dúvidas de quem é. O conflito maior está aí: Moringue também sabia, mas não se importou, fez sua escolha.  Ele não era qualquer homem. E o danado cumpriu a promessa.
Provavelmente o fato de o personagem ter de fato existido facilitou essa ocorrência, mas como leitora recorrente da autora, fiquei contente porque ela conseguiu dar um fim definitivo ao seu conto, sem dúvidas ou possibilidades.
O conto se encaixa perfeitamente ao tema, unindo, como nenhum outro, história e fantasia, aproveitando-se do folclore e das lendas da região. O vocabulário é adequado, a linguagem condizente com o momento histórico sem gerar dificuldades de leitura ou ocasionar a perda do ritmo de leitura (que é o caso de um dos contos da coletânea). A dose de história é suficiente, induzindo aqueles que desejem saber mais sobre o conflito ou seu protagonista a pesquisarem por conta própria, como foi o meu caso. Novamente, esse fato favorece o ritmo da leitura e permite o foco no conto sem que o leitor se perca em seu lugar histórico.
Por fim, fica o questionamento: e se fosse você? Se o diabo viesse em pessoa e dissesse: você me dá vidas e eu te dou riqueza, poder, fama... A outra opção é ficar o mais longe possível do coisa ruim, mas não ter nada, nada além de uma única pessoa que te amaria e que cuidaria de você até o último dia da sua vida. Qual seria a sua opção? Você pensaria no assunto por muitos anos, ou, como Moringue, saberia a resposta imediatamente? E, pensando na sociedade em geral, temos mais pessoas que são como Bento Manoel, mais que são como Chico Pedro, ou as pessoas que jamais fariam um acordo que negociasse suas almas são maioria?
Tremo só de pensar.

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